sábado, 26 de agosto de 2017

A Política de Floriano - Florianismo.


FLORIANISMO, era o IV(quarto) volume da obra: História Nova do Brasil, lançado em 64 para ser veiculado na grade das escolas medias brasileiras.
Fruto do esforço acadêmico oriunda do ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros, da FNF - Fundação Nacional de Filosofia, vinculados ao Ministério da Educação. A História Nova do Brasil tratava-se de um trabalho revisionista de nossa História, materialização do que de longa data propunha historiadores nacionais como Capistrano de Abreu, Manoel Bomfim, dentre outros, tratando de corrigir distorções históricas e omissões que camuflam a verdadeira História do Brasil.
A obra desde seu pré-lançamento foi fortemente censurada pelos golpistas de 64,  seus autores perseguidos e torturados, e ainda hoje é desconhecida, mesmo, no meio acadêmico e para o grande público. Expomos aqui aos nossos leitores o capítulo referente ao Florianismo, constante no Vol. IV, e que subdividiremos segundo seus tópicos, segue a 1ª (primeira) parte: "A Política de Floriano" e a "Política Tarifária".  Boa leitura!


A Política de Floriano.

Com Floriano, os setores radicais do republicanismo passaram a ter predominância no governo Federal. Ao invés de se enfraquecerem, aumentaram suas fôrças na campanha oposicionista a Deodoro. Apesar disso, a classe média não teria força para extirpar pela raiz todos os males que a afligiam. Não era possível, naquele tempo. Numa época de grande avanço e de pleno poder do imperialismo em todo o globo, em que a partilha das regiões coloniais se firmava, numa fase histórica em que o latifundio cafeicultor se apresentava em progresso e sem concorrentes de porte no mundo, num momento de tais condições estruturais, a liquidação do sistema de economia colonial era obra por demais vultosa para as débeis fôrças das camadas médias e da indústria nacional. Essa tarefa veio a pertencer aos nossos dias.

Assim não chegando a enfrentar a reformulação das próprias estruturas sociais, os florianistas procuraram realizar pequenas medidas (pequenas diante do quadro, mas grandes para a época) que os favorecessem, como que abrindo uam trilha, a duras penas no campo adverso do sistema  colonial.

O Empréstimo à Indústria:
Dentre essas medidas, uma das mais importantes e de maior repercussão foi o crédito especial de auxílio à indústria. As em­presas brasileiras estavam em grandes dificuldades, no ano de 1892. Acrescia a sua críse, a queda no valor cambial de nossa moeda. Aumentava, cada vez mais, o volume de dinheiro neces­sário à importação de encomendas já feitas ou por fazer. Defen­dendo seus interesses, os industriais elegeram uma comissão que os representasse junto ao Congresso e ao Executivo, reivindicando auxílio do Estado através de empréstimos. Nos jornais, na Câ­mara, nas ruas, nos encontros secretos de gabinete, a questão foi discutida com nervosismo. O comércio importador enviou repre­sentação ao governo, combatendo o empréstimo, alegando que causaria ainda maior depressão cambial, dificultando ainda mais a vida dos consumidores. Da mesma forma, os homens do velho latifúndio verberavam não só contra o auxilio mas contra a pró­pria indústria. Leite Oiticica, um dos mais exaltados na Câ­mara, filho de dono de engenho, representante de Alagoas, afir­mava: “É nessa moeda que os industriais fazem o seu negócio, vendem os seus produtos, aumentam as suas rendas, fartando os seus cofres à proporção que a miséria da população se acentua com os preços a elevar-se para os gêneros que elas fabricam.

A essas vozes juntaram-se as dos republicanos ligados à política do latifúndio cafeicultor. Rangel Pestana, um dêles, ativo participante do movimento abolicionista e republicano, membro de “tradicional” família de Campinas, atacava no Senado o auxílio a indústria. Procurava criar a imagem de que no Brasil, se firmava um regime de orgia financeira, voltado para enriquecer os “especuladores” da cidade. Êstes se apresentavam, segundo dizia, “com grandiosos programas, querendo explorar quase que o céu e a terra”.

Oque mais atemorizava os exportadores de café, entre cujos porta-vozes estava Rangel Pestana, eram as conseqüências que a medida poderia trazer para suas relações com os grupos econômicos estrangeiros. Como observa Nícia Vilela Luz: “O que; porém, inquietava, particularmente, Rangel Pestana, era o abalo que a medida produzia sôbre o nosso câmbio e sôbre o nosso crédito no exterior”. Produzindo exclusivamente para exportar, os cafeicultores colocavam-se, automàticamente na subordinação aos compradores internacionais.

O temor dos exportadores não era injustificado. A reação dos monopólios estrangeiros foi pronta e clara. Não se limitaram, inclusive, aos contatos de cúpula. Fizeram chegar aos jornais sua disposição de estabelecer sanções económicas contra o Brasil, caso se efetivasse o empréstimo. O Jornal do Comércio divulgou a notícia: “Consta-nos que os Srs. Rothschild telegrafaram ao Sr. Ministro da Fazenda, fazendo-lhe sentir que a emissão de apólices para auxílio às indústrias, se resolvida pelos poderes públicos, não será de bom efeito no crédito do país”. Dois dias mais tarde, transcrevia o mesmo órgão o seguinte telegrama, proveniente de Londres: Os títulos brasileiros de 4% caíram hoje a 60 ¼.

A tôdas essas pressões respondia a burguesia afirmando, como Amaro Cavalcanti, que o Brasil tinha de agir “antes com os olhos nas necessidades dêste, do que obedecendo ao mot d´ordre que nos vinha do estrangeiro, às vezes ditado no seu interesse”.20 Combatendo por tôdas as formas éste modo novo de ver a soberania nacional, estavam sempre os poderosos, agindo sem revelar por inteiro o rosto, tentando converter a opinião pública às suas teses com os muitos instrumentos que o poder do dinheiro lhes garante.

Raul Pompéia assim descreveu a intervenção do poder económico da vida política dos primeiros momentos da República: “Existe no Brasil um poderoso eleitorado sem voto, dominando o jornalismo das capitais, riquíssimo, numeroso, inteligente, ativo como ensina a prática do comércio, capaz de mover um mundo de manifestações políticas, a que não carece comparecer visivelmente, podendo mesmo nutrir de sua gorda algibeira arruaças e motins, capaz de neutralizar, de paralisar, de suprimir, de matar pela fadiga a administração pública, desde que esta lhe seja molesta, formidável, em suma como depositário e possuidor da melhor parte da fortuna particular, intervindo profundamente na direção dos negócios públicos, e podendo alias eximir-se de todos os compromissos correlativos repentinamente por trás da porta de um consulado (grifo nosso), — partido forte, portanto, e partido enorme — de conservadores que não conservam absolutamente para o Brasil.”21

O depoimento de Raul Pompéia aborda, ainda aí, tema de grande atualidade. Examinando-o, percebe-se que as fôrças econômicas que se institucionalizaram, em nossos dias, sob títulos diversos — ADP, IPES, IRAD, etc (êste último elegeu, ern 1962, a maior bancada do Congresso Nacional e passou a ser, pràticamente, o seu único componente com as cassações de mandatos efetuadas pelo movimento militar de 1.° de abril) - existem desde o seu tempo, com as mesmas características.

Apesar das pressões dêsse poderoso complexo, o govêrno Floriano realizou, sem vacilar, o empréstimo. Em mensagem dirigida à Câmara, o Presidente advertiu ser “urgente a intervenção do Poder Legislativo, em ordem a habilitar o govêrno com os meios necessários para impedir que as emprêsas honestas, que têm bons elementos de vida, mas lutam com grandes embaraços para se desenvolverem, sejam compelidas a uma liquidação precipitada, comprometendo os seus capitais e a sorte dos operários nela empregados”.
Êle sabia que a indústria nacional, de condições muito inferiores à estrangeira, só poderia subsistir e desenvolver-se se protegida. E exerceu a proteção: a 17 de dezembro baixou decreto em que, no art. 9ª, autorizava o Banco do Brasil a emprestar até 100.000 contos de réis, sob forma de bônus. Ganhara uma batalha, mas teria de dispender muitos esforços para manter as posições alcançadas.

A Política Tarifária

Outro instrumento de proteção aos empresários brasileiros foi o manejo do câmbio. Êstes condenavam a “liberdade cambial” como orientação que abria o nosso mercado à penetração dos produtos estrangeiros. Dizia Serzedelo Corrêa, Ministro da Fazenda de Floriano: “Razão têm, a meu ver, os economistas que enxergam um perigo no livre câmbio adotado por uma nação, quando ela não está em condições de lutar, e quando, no struggle for life do darwinismo, as suas indústrias tiverem de sucumbir e desaparecer, porque isso importará deslocamento, para fora do país, de trabalho, de capitais e de homens”.

O protecionismo até o fim do govêrno de Floriano não se fez, porém, por normas gerais que estabelessem os direitos e privilégios das diversas mercadorias importadas. Com exceção do decreto de 4 de novembro de 1890, que proibia isenções para artigos já produzidos internamente, as concessões eram estabelecidas por leis especiais e contratos com as diversas emprêsas. No exame de cada caso, o governo concedia isenções de direitos aduaneiros para importação de máquinas, instrumentos agrícolas, matérias primas etc., ou elevava os direitos a pagar das importações luxuosas.

Êste sistema tarifário foi amplamente combatido, na época, sob acusação de ser fonte inesgotável de negócios ilícitos, abusos e injustiças. A título de ataque à corrupção, os inimigos da indústria passaram a combater as próprias emprêsas e, com elas, a proteção cambial.  Ouviu-se a afirmação categórica de que as indústrias eram filhas da jogatina e das fraudes praticadas à sombra das emissões de papel-moeda do governo Provisório”. A tática do “moralismo político” é conhecida: pretextando combater vícios dos movimentos transformadores, os defensores do status quo confundem os erros com a própria essência do movimento, e novamente escamoteiam os problemas reais da discussão. Era oque faziam os “moralistas” da época. Significativamente, porém, não taxavam de “corruptos”, nem nêles viam “negocismo”, os inúmeros favores e privilégios dados aos senhores de terras e de escravos, bem como aos grupos econômicos estrangeiros, sob a monarquia.

A atitude dos legítimos representantes da indústria nacional, no período, não foi de omissão frente às especulações havidas. Passaram, êles próprios, a propor a transformação do sistema tarifário com a introdução de normas de caráter mais geral e objetivo, presididas por planejamento criterioso, que hierarquizasse as concessões mediante a prioridade das importações para o desenvolvimento interno e impedissem os abusos. “Parece (....) da maior conveniência uam revisão minuciosa em nossa tarifa, não só para completar as suas lacunas, como para adaptá-la à necessidade de caráter transitório, de favorecer a nossa indústria, que é a grande geradora da nossa riqueza por vir”. Com êste pensamento, realizou-se a revisão alfandegária de 1896, já no governo de Prudente de Morais, fruto do trabalho de uma comissão organizada na Câmara, em que venceu a orientação de Serzedelo. Não duraria muito, entretanto, para que as oligarquias retomassem as rédeas do govêrno e anulassem a tarifa de 1896.

Ao contrário do que se tentou fazer crer, o próprio govêrno de Floriano tomou medidas radicais contra a especulação e a emissão abusiva. Uma delas foi a reforma bancária, que tornou privativas do governo central as emissões bancárias, possibilitando o contrôle do numerário circulante, Os ideólogos dos senhores de terras emitiram o fato. Na realidade, êles não eram contrários à inflação em si, pois a utilizavam, muitas vezes, quando o objetivo era cobrir os prejuízos que sofriam nas trocas do mercado internacional; o que, no fundo, combatiam e continuam a combater são as emissões que visam financiar a industrialização do país. Os que estavam com Floriano já percebiam o engôdo.


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terça-feira, 22 de agosto de 2017

AS RELAÇÕES DA IGREJA COM A MONARQUIA E O CASTILHISMO


a mais nobre, elevada e preciosa tentativa de uma Religião Universal [Igreja Católica] até a grande crise do século XVIII” – Júlio de Castilhos.


No curso do Império, o regime do padroado, que subordinava ao Estado a organização da  Igreja e a nomeação de bispos, passou a ser mal visto por determinados setores da Igreja.

O Império, sob a égide de D. Pedro II, obstruía a jurisdição pontifícia de Roma sobre a Igreja brasileira e vinha impossibilitando a organização e a expansão institucional eclesiástica. Exemplos disso são as leis de 1855, proibindo a admissão de noviços pelas ordens religiosas; de 1863, estabelecendo um regime de inspeção pública dos seminários; e a de 1870, impedindo o ingresso de noviços brasileiros ordenados no exterior.


Concomitante a esses atos de D. Pedro II, em Roma, Pio IX (1846-1878) e, em seguida, de Leão XIII (1878-1903) consolidava a romanização, isto é, o processo de centralização da autoridade da Igreja no Papa e no Vaticano.

De modo que esses entraves criados por D. Pedro II, gerou um clima de insatisfação no seio da igreja, o que levou boa parte dos bispos a se alinharem a Roma.  Isso mesmo antes da Questão Religiosa (1872-1875), que quando sobreveio, agravou, ainda mais, as relações entre a Igreja e a Monarquia.
D. Macedo Costa, bispo do Pará, já denunciava, em 1863, a ingerência maçônica do Império na Igreja:

Escravidão, e escravidão ignominiosa, é o que quereis impor com vossas teorias do Estado pagão, do Estado sem Deus, do Estado fonte e critério de todos os direitos, absorvendo o cidadão todo inteiro... Escravidão, dura e ignominiosa escravidão, é esse Estado civil de mitra e báculo, governando a Igreja.”

Nesse clima de desavenças entre a monarquia e a Igreja, a fórmula traçada pelos republicanos, de separação entre a Igreja e o Estado atraiu as simpatias da Igreja pelos republicanos. Júlio de Castilhos, era favorável a derrogação das várias restrições impostas, via decretos imperiais, aos direitos civis e políticos dos religiosos.

Para a Igreja, o Regime Monárquico, apesar de estatuir o catolicismo como religião oficial, na medida em que não abria mão do placet, se tornava mais um empecilho do que uma alavanca propulsora. Na República, embora perdesse o privilégio (muitos já duvidavam se era privilégio) da oficialidade, a Igreja, fazendo bom uso dos princípios liberais da livre manifestação do pensamento e da livre organização, poderia agir com muito mais desenvoltura e seguir, sem restrições, os ditames de Roma.

Para o Castilhismo, que não adotou a dimensão religiosa do Positivismo, as manifestações religiosas estavam livres, desde que não interferissem nos planos partidários nem representassem ameaça política.

D. Antônio de Macedo Costa, bispo do Pará, condenado durante a questão religiosa, proclamada a República, comemorava a queda do Império e o triunfo da igreja dizendo: “o trono desapareceu... e o Altar? O Altar está de pé!”

Proclamada a República, a Igreja empreendeu seus maiores esforços para demonstrar que a educação não era atribuição do Estado mas da família e das instituições às quais a família delegasse essa função. A luta pelo ensino privado e pelo ensino religioso nas escolas oficiais passaria a ser a bandeira principal da Igreja católica durante a Primeira República.

“Até a Proclamação da República, o sistema de ensino se baseava fundamentalmente na figura da pessoa física como entidade mantenedora e prestadora de serviço na educação. Era um modelo comunitário baseado no “mestre-escola” que atendia privadamente conforme sua especialidade. Assim, no final do regime castilhista, a rede de ensino no estado apresentava relativa fidelidade ao ideário positivista quanto à educação: “Havia uma liberdade absoluta em termos de ensino secundário e superior, e a assunção de uma interferência estatal circunstancial no ensino primário”.”.

Ainda que a Igreja Católica se opuse-se à noção de ensino laico defendido pelos Castilhistas. Estabeleceu-se uma “clara divisão de espaços”, desembocando numa “política de boa vizinhança”, onde cada parte trabalhava para a construção de uma sociedade moralmente qualificada: o governo republicano se empenhava em firmar sua hegemonia na área político-administrativa e a igreja “dedicou-se primordialmente à educação e, naturalmente, à pastoral”.

Atos litúrgicos, catequese, ação caritativa e, principalmente, ensino eram campos nos quais a Igreja Católica se movimentava com uma maestria incomparável. Tinha tradição, estava aparelhada (ou com condições de se aparelhar) e gozava da confiança das massas. De fato, a Igreja não decepcionou. Envolveu-se na construção e manutenção de escolas, de centros comunitários, de capelas, de estradas, etc.; formou associações, cooperativas e sindicatos; atuou como fator conciliador de revoltas, greves, idéias e organizações de esquerda; orientou seu eleitorado para votar em candidatos da situação (nas regiões coloniais, onde a Igreja tinha maior controle sobre a população, o candidato oficial, castilhista, sempre obtinha esmagadora maioria de votos); e fez, também, o elogio da Pátria e da política republicana.

O apoio entre Igreja e Castilhismo, não era unilateral, partia também dos castilhistas. Júlio de Castilhos, no início de 1900, em carta aberta denominada: “Devoção do Menino Deus”, ilustra essas correlação entre o Castilhismo e a Igreja, como fator de ordem, e ilustra o valor moral do catolicismo, por ter sido “a mais nobre, elevada e preciosa tentativa de uma Religião Universal até a grande crise do século XVIII”:

Uma adesão religiosa, para ser moral e digna, deve emanar com retitude, da identidade do ponto de vista, e repousar essencialmente sobre a pureza irrepreensível da crença do aderente convicto, a qual inspira, nutre e afervora o contínuo devotamento, sem restrições e sem intermitências”. – Júlio de Castilhos.

A Constituição Castilhista de 1891, contemplava os anseios da Igreja Católica. O § 7º do artigo 71, ilustra esse aspecto:

“Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.”

Além disso, defendeu a monogamia, deu possibilidades, segundo o desejo, dos noivos casarem também sob a forma religiosa e concedeu às igrejas o direito de administrar cemitérios e de realizar o enterro dos mortos (Art. 71, § 8º e 9º).

Esse tipo de garantias legais era o que mais a Igreja precisava.

Ao passo que no restante do Brasil, de modo geral, o laicismo se manteve forte e a Igreja não avançou muito; já no Rio Grande do Sul, onde o Castilhismo era mais forte, puro e radical, ocorreu o fenômeno inverso. A igreja católica se expandiu.

Dispondo de maior liberdade para coordenar a instituição de acordo com os princípios de Roma. Os bispos foram, à Europa buscar reforços: “bateu às portas de todas as ordens e congregações religiosas do velho mundo, pedindo reforço, enquanto não pudesse contar com elementos nativos. Solicitava padres aos bispos seus colegas; solicitava mais religiosos a quem já havia se estabelecido no Estado; solicitava que abrissem quanto antes uma missão os que ainda não se haviam feito presentes.” O resultado dessa política foi, por certo, significativo. Até 1910, entraram no Rio Grande do Sul, Irmãs de S. Catarina (1895), Capuchinhos (1896), Carlistas (1896), Irmãs de S. José de Moutiers (1898), Maristas (1900), Salesianos (1901), Lassalistas (1907), Claretinos (1907), Filhas de Nª Srª do Horto (1908) e Irmãs de S. Tereza de Jesus (1910). Em pouco tempo, o Rio Grande ficou tomado por padres, religiosos e religiosas que vieram da Europa. Luís Alberto De Boni calcula que, na já virada do século, o número deles chegava a 520.

Um fator decisivo da expansão das instituições católicas no Rio Grande do Sul foi a imigração. Posto ser em sua maioria, um contingente católico: italianos e poloneses, eram quase todos católicos, e mesmo os alemãs em sua maior parte também católicos, constituindo alguns núcleos protestantes, minoria nas colonias alemãs. O modelo de colonização implementado no Rio Grande do Sul, de assentamentos em pequenas propriedades, articulados entre si e separados dos outros grupos étnicos, favoreceu o poder dos padres, via de regra, as únicas pessoas esclarecidas do lugar e que podiam se comunicar com os imigrantes na sua própria língua. A Igreja católica chegou a criar uma congregação religiosa (os carlistas) para cuidar especialmente dos imigrantes. E que desempenhou importante papel na integração dos colonos a vida brasileira.  Ocorreu casos, em colônias protestantes alemãs, em que pastores insistiam na defesa da germanidade, ao passo que os padres atuavam como agentes nacionalizadores.

Assim, a medida que as colônias imigrantes cresciam em população e se desenvolviam economicamente, a Igreja ganhava mais poder de barganha. Não mais só nas colônias, mas também junto aos setores urbanos, que, também, se projetaram a partir do desenvolvimento das colônias.

E foi dessa colônia de imigrantes, italiana, no caso, sob essa forte influência católica, que advém Alberto Pasqualini, o principal ideólogo do programa do PTB pós-Vargas, fortemente alicerçado na Doutrina Social da Igreja. Antes, Vargas, enxergou esse forte caráter integrador que a Igreja Católica desempenhava nas colônias, além da influência direta da bula papal Rerum Novarum sob a CLT. Assim, na Constituição de 1934, os constituintes, instituem o ensino religioso respeitado a manifesta confissão religiosa, diretriz que será mantida pela Constituição de 1937:

Art. 153 - O ensino religioso será de freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais.

Dessa forma, a influência maçônica via monarquia de D. Pedro II, agravado com a Questão Religiosa, e o desejo da Igreja de uma maior centralização em Roma, faz cessar o apoio da Igreja ao regime monárquico, ao mesmo tempo, passa a ver com simpatias a proposta republicana de separação da Igreja do Estado. No Rio Grande do Sul, com Júlio de Castilhos, mais do que no restante do país, o advento da República representou uma expansão de suas instituições, como nunca antes visto. Essa expansão se justifica pela onda imigratória majoritariamente católica, atuando ainda a igreja, nas poucas colônias protestantes, como fator de nacionalização, e mesmo nas colonias de credo católicas, porém de língua distinta do português: italiana, polonesa, etc... desempenha fator de integração. Assim a Igreja passa a desempenhar uma forte influência social e política, e de sua atuação, advém a figura de Alberto Pasqualini, que virá a ser o principal ideólogo do PTB.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

A Destruição do Catolicismo Popular Brasileiro Como Processo de Des-brasileirização do Brasil.

"A Igreja não são seus padres, são seus Santos."
George Bernanos.


Darcy Ribeiro recordando alguns episódios de sua infância, em referência a cultura popular de Montes Claros, nos conta:

Levei uma surra de mamãe, tremenda, numa noite em que fiquei até de madrugada acompanhando um grupo de pastoras pelos arredores da cidade. Ela tinha mobilizado meus tios, a policia e já ia pedir socorro aos Ribeiro quando apareci, lampeiro. Era já minha vocação de etnólogo e eu nem sabia.
Essa é a religiosidade festiva que aprendi. A das festas, das folias, dos santos milagreiros. Um para cada especialidade: casar gente, achar chave perdida, curar doentes, qualquer coisa. Sobre todos eles reinava a Rainha do Céu, Nossa Senhora. Mil vezes mais importante que Deus, porque o tivera na barriga. Milagreira como ela só, em suas várias encarnações: da Assunção, que foi inteirinha para o céu, do Perpétuo Socorro, com sua cara eslava, que era protetora de mamãe e mutíssimas mais, echendo de fé e esperança os corações das mulheres.
Deus mesmo não tinha muito importância. Ou era importante demais para se ocupar dos probleminhas do povo de Montes Claros. Suas encarnações ostentosas me atiçavam a curiosidade. Para mim o melhor era o Deus Menino que renascia todo ano no Natal. Soturno, mas assustador, era o Senhor Morto das procissões de Sexta-Feira Santa, acompanhado por gente encapuzada batendo matracas. Do Deus Pai eu não sabia nada. O divino Espírito Santo não. Este era visível na pomba que se punha em varas, acima de tudo nas procissões e sobretudo nas folias, que era a maior animação da religiosidade antiga.
O movimento da ortodoxia romana comandado pelos padres de batina branca que nem se casavam, falavam mal o português e só sabiam perseguir as formas tradicionais de religiosidade popular quase matou o catolicismo em Montes Claros. Nos espaços abertos por eles se multiplicaram o espiritismo, o candomblé e ultimamente o protestantismo, cada vez mais vigorosos.”

O tal “movimento da ortodoxia romana” que nos reporta Darcy Ribeiro, advinha do Concílio Vaticano I (1869-70), projeto conservador, marcado pelo centralismo institucional e doutrinário de Roma, e que tinha por objetivo recuperar o poder da Igreja nas mãos do papado. Essa nova diretriz, advinda do Concílio Vaticano I, trazida por bispos formados em seminários europeus no Séc. XIX e engajados no processo de “romanização”, deu início a um combate sistemático a religiosidade popular e mesmo ao catolicismo institucional que se praticava no Brasil. Como o de padres se casarem, comum ao longo de toda vida colonial brasileira. Daí surge esse embate, que doutrinariamente se fala entre o Catolicismo Popular ou Tradicional (próprio das tradições do Brasil) do Catolicismo Romano, à época circunscrito ao Vaticano.

O Catolicismo no Brasil, desde seu início, manteve relativa autonomia de Roma, posto a vigência do Padronado Régio que conferia a monarquia portuguesa a nomeação de bispos, bem como a organização da igreja. E assim, o catolicismo brasileiro resguardou em muitos aspectos uma religiosidade medieval, mais do que em Portugal, posto o maior isolamento e mesmo a pouca, quando nenhum trabalho de catequese no Brasil. Isso se aprofundou com o fim da união ibérica (1640) e a formação da dinastia de Bragança quando a igreja católica mantém o seu apoio à Espanha e só vem a reconhecer a nova dinastia (dos Braganças) no mandato de dom João V em 1732. Até então, o papa Urbano VIII havia recusado os embaixadores portugueses no Vaticano e negado a ordenação de bispos portugueses indicados por dom João IV. Essa tensão entre Roma e Portugal, corroborou para a manutenção de um catolicismo arcaizante, ligado as tradições populares.

Autores como Hoornaert, considera que o catolicismo que migrou para o Brasil foi uma cultura de simbolismo cristão, que refletia a própria cultura portuguesa da época. Não era uma ação oficial da Igreja, mas apenas um “cenário”, formado por imagens, discursos, gestos e símbolos, que se expandiu com o processo de colonização. O desenvolvimento da cristandade na América Portuguesa, se deu, portanto, com os capelães dos engenhos de açúcar, nos arraiais mineiros, nas pequenas vilas e povoados bandeirantes, nos aldeamentos, nas fazendas de gado, nos garimpos, nos galpões, expressando assim um caráter local e regional diferente do que se viu, por exemplo, na América Espanhola.

Até mesmo a incorporação das procissões a locais “sagrados”, ou por aparecimento de Santos ou de peças recheadas de simbolismo religioso, rememorando uma tradição pagã de ritual, neste caso muito mais ligado a uma memória de um catolicismo popular português que ganha um novo contorno no sincretismo à brasileira. O mundo rural segue no ritmo ditado pela natureza, com fases definidas entre plantio, colheita, preparação do solo, secas e chuvas. Pela relação mais íntima ligada ao mundo da natureza elementos pagão são incorporados aos ritos católicos, esse processo faz com que as festas religiosas se desenvolvam com maior intensidade no ínterim das estações. As festas religiosas são concomitantes a períodos posteriores a colheita ou ao plantio, quando a necessidade do trabalho braçal se faz menos presente. Assim os folguedos e os feriados vão se desenvolvendo na cultura popular associando a religiosidade ao não trabalho, domingo e dias santos livre das chibatas por si só gera motivo suficiente para a conversão de almas escravas. Para as almas indígenas os dias Santos serviam como uma rememoração da sua cultura ancestral, das festas “públicas”.

Vários elementos da festa do Divino – como o Imperador, a coroa, o estandarte, a realeza – lembram a história de Carlos Magno e os Doze Pares de França, presente tanto nos sertões nordestinos, como na zona serrana catarinense. Falando sobre o assunto, Ferreti, com base nos estudos de Pereira de Queiroz (1965) e Silva (1980), mostra como a festa foi modificada e reinventada durante o movimento messiânico do Contestado. Assim como entre os religiosos do sul, liderados pelo Monge João Maria, nos terreiros de mina do Maranhão, a festa é organizada pela população, sem a participação do clero, ou seja, uma iniciativa não oficial. A Igreja Católica “ignora a festa do Divino, não desenvolvendo atividade pastoral específica, embora no passado certamente tenha assumido papel atuante na divulgação desse costume” (FERRETI, 1995, p. 18).

Diversos movimentos populares de caráter messiânico, em fins do século passado, o catolicismo tradicional, de caráter leigo e medieval, aflorou com bastante ímpeto. O apoio da Igreja a campanha de Canudos guarda estreita vinculação com as diretrizes traçadas pelo Vaticano I, bem como, contra, o ulterior movimento do Contestado em Santa Catarina e a perseguição ao Padre Cícero.

As deformações do concílio do Vaticano I, que tanto mal causou ao catolicismo, serão agravadas com o Concílio do Vaticano II, que promove uma série de reformas, agora com fito de desconstrução doutrinária do catolicismo, advinda de infiltração maçônica. O uso de vernáculos locais, como era praxis no Brasil colonial, como uso do Tupi, eram usados nas pregações e catequeses, não nas missas. Todas as heresias do Vaticano II, merece um artigo a parte que trataremos futuramente. O papa João Paulo II, reputado, falsamente, como "conservador" pela imprensa hegemônica, é o reformador, que levará a cabo a desconstrução do catolicismo, ampliando e sedimentando as heresias do II Concílio, propiciando assim, a expansão das seitas neopetencostais, fenômeno não só observado no Brasil, como em outros países de tradição católica.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

O Governo Oculto - O Conselho de Inteligência dos EUA - USIB e Sua Atuação no Golpe de 64.



Os 12 integrantes dessa foto acima compunham o Conselho de Inteligência dos EUA (USIB), uma espécie de tribunal superior, instância última na guarda dos segredos do governo invisível dos EUA. E que à época desta foto, no curso do governo Richard Nixon, era presidido por William Colby, então Diretor Central de Inteligência (e da CIA) – o terceiro, a partir da esquerda. 


Quem está à direita de Colby na foto é seu então adjunto e vice-diretor da CIA, general Vernon Walters, em parte, premiado com esse cargo pelos bons serviços prestados em favor do sucesso em 1964 do golpe militar que pôs fim à democracia no Brasil (ele conseguiu também instalar como primeiro  dos cinco presidentes dos 20 anos de ditadura, o amigo Humberto de Alencar Castello Branco).


Os demais são (não nesta ordem) o secretário-executivo do USIB, representantes dos departamentos de Estado, do Tesouro, do FBI (Justiça), da AEC (Comissão de Energia Atômica), da DIA, da NSA e da Inteligência do Exército, Marinha e Força  Aérea.

Vernon Walters e Castelo Branco
Castelo Branco foi aliciado por Vernon Walters na Itália, quando serviu como oficial na FEB. Ambos maçons, Walters foi designado expressamente para cooptar oficiais brasileiros, já com propósito de derrubar Getúlio e implantar um governo títere no Brasil.

Vernon Walters, teve destacado papel na articulação e na logística do golpe de 64 junto ao Castelo Branco e outros oficiais golpistas, todos maçons, egressos da universidade de Souborne.

Em documentos divulgados pelo historiador Carlos Fico, em sua obra "O Grande Irmão",  que traz a tona uma verdadeira coletânea de documentos secretos, de análise ultra-científica, acerca do processo de Deposição de Goulart e a relação, desse processo, com a intervenção norte-americana. Carlos Fico reporta sobre o recebimento de armas, não americanas, afim de suprir as forças golpistas em caso de um cenário de beligerancia contra as forças legalistas:


“ao contrário das negativas de envolvimento de brasileiros na operação Brother San, havia um contato brasileiro cuidando da entrega de armas, munições e combustível, o General de Brigada José Pinheiro de Ulhoa Cintra, um dos grandes revolucionários do Exército {...} descrito por Costa e Silva como “ um homem violento e querendo fazer bobagem”. O General Cintra deveria fazer uma avaliação da necessidade suplementar de armas e avisar Vernon Walters, adido militar estadunidense, conhecido de Castelo Branco desde a II Guerra." - Carlos Fico.

O historiador cita ainda que:

“segundo o Embaixador Gordan, os equipamentos dos militares e da policia eram obsoletos e as Forças Policiais do País seriam incapazes de arcar com distúrbios internos sérios sem a ajuda do Exército."

E continua:

“Por causa dessas insuficiências e da iminência do Golpe, o Embaixador Gorgan sureriria ao governo norte-americano, dias depois, em outro documento, que se fizesse uma entrega clandestina de armas de origem não-americana (para impedir identificação e evitar acusações de intervencionismo) a serem repassada aos cúmplices de Castelo Branco em São Paulo, nada muito diferente do que já vinha sendo previsto desde de o plano de contingências do final de 63.”

Dado o golpe de 64, não temos mais um governo nacional, brasileiro, são meros prepostos dos interesses estrangeiros, mesmo, o período Geisel, que procurou ser mais desenvolvimentista, não quebrou essa linha de subjulgação com os EUA. O alegado reatamento de laços com Estados comunistas (Angola e Moçambique), como "prova" de uma suposta independência externa, nada mais foi do que o cumprimento de desígnios do próprio EUA, interessados no desmembramento das colonias portuguesas na África. Entrevistas e declarações do Geisel e do Fiqueiredo, no curso da "abertura", revelam descontentamento com o processo de redemocratização, embora resignados a dar cumprimento.  Não haviam forças capazes de depor os militares, se não um ente maior..... quem então poderia ter impelido esse processo? O mesmo, que o puseram no poder.


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