domingo, 1 de abril de 2012

64 - Um Golpe Contra o Nacionalismo Brasileiro.



O objetivo da ditadura era varrer os políticos ligados ao getulismo
(sendo o comunismo apenas o pretexto invocado para o golpe).
Golbery do Couto e Silva,  sempre foi transparente a esse respeito: 
"expurgar da cena política brasileira os políticos ligados ao
populismo getulista.".

O processo subversivo que desencadiou no Golpe de 64 antecede a deposição de Vargas em 45, a tentativa de impedir sua posse em 51, a “novembrada” em 55 contra Jucelino, a tentativa de golpe em 62, para findar na deposição de Goulart em 64. Esses fatos revelam a ação sistemática de um mesmo grupo na tentativa de tomada do poder, orquestrados e subvencionados pelos EUA a fazer oposição a esses governos nacionalistas.

Em cada tentativa de golpe, a UDN invocava um pretexto diferente: em 1954 eram a "corrupção" , o "atentado da rua Toneleros" e a "república sindicalista"; em 1955 era a "corrupção" bem como em 1956 e 1959; em 1964 era a "ameaça comunista.".

1964 foi o coroamento de uma longa sequência de golpes fracassados: 1954, 1955, 1956, 1959, 1961 e finalmente 1964. O pretexto para o golpe - como bem acontece com as ações de pessoas oportunistas - mudava de acordo com a ocasião, mas o objetivo final dos conspiradores sempre foi o mesmo: afastar do comando do País a corrente nacionalista getulista e implantar um governo que alinhasse definitivamente a economia brasileira aos interesses do capital internacional.

Não por acaso, vários historiadores diferentes dizem sempre a seguinte frase, quando se referem ao suicídio de Getúlio Vargas: "com seu suicídio, Getúlio adiou o golpe militar em uma década."

Para se ver como a tal "ameáça comunista" era conto da carochinha, basta dizer que, no auge da guerrilha urbana e rural comunista contra a ditadura, em 1970, haviam cerca de no máximo 1000 pessoas em armas no Brasil todo contra o regime, e isso somando os vários grupos que haviam. Um efetivo de mil pessoas contra o poderio combinado do Exército, Marinha e Aeronáutica! Que enorme "ameáça"!

Lembrando que na mesma época a Itália esteve também as voltas com as ações violentas de grupos extremistas, mas não precisou abrir mão de seu regime democrático para combater essas ações.

O suposto "comunismo" de Goulart foi o pretexto usado. Contra Getulio usaram o pretexto da "corrupcao" . Quando Jango era Ministro do Trabalho de Getúlio, acusavam-no de "peronista" , de que ele e Getulio teriam uma aliança terrível com o presidente argentino Juan Peron para transformar o Brasil numa "Republica Sindicalista" (seja lá o que for que isso quer dizer). Como Peron foi derrubado por um golpe militar em 1955, nao dava mais para usar o espantalho do peronismo, entao Lacerda e seus asseclas passaram a usar o espantalho do comunismo para fazer as pessoas terem medo de Goulart.

João Goulart não era, nunca foi, nem jamais seria comunista. Jango era riquíssimo, um milionário mesmo, e isso não apenas em função da herança herdada de seu pai, mas também, merecidamente, por seu incrível talento empresarial. Quando Jango herdou as terras de seu pai ( em 1943, se não me falha a memória ) os negócios estavam até meio mal. Jango, jovem advogado e herdeiro pecuarista, administrou tão bem o patrimônio herdado que o aumentou enormemente em poucos anos. Jango "pegava no pesado" mesmo, fazendo juz ao ditado de que "o boi só engorda com o olho do dono" , ele fazia trabalho pesado junto com os peões para administrar as muitas terras que possuia, muitas vezes comendo e dormindo em locais totalmente desconfortáveis. Jango era nos anos 50 um dos maiores pecuaristas do Brasil. Ele tinha um talento gerencial tão notável que até o doutor Getúlio confiou a ele (e não a um de seus filhos) a administração de suas estâncias em São Borja. Imaginar que um homem que trabalhou tanto para construir um notavel patrimonio fosse ser o agente consciente de seu proprio empobrecimento e loucura. Amaral Peixoto disse que o maior prazer de Jango era adquirir terras.

A articulação para o golpe só ficou mais séria depois do dia 22 de novembro de 1963. O que aconteceu nesse dia? Com a morte de Kennedy, assumiu o vice, Lyndon Johnson, que, por motivos de politica interna norte-americana, precisava "legitimar-se" frente aos setores mais reacionários do establishment dos EUA, e para isso, passou a dar apoio total aos golpistas brasileiros. Como em 1945 e 1954, o golpismo interno brasileiro só se sentiu realmente "fortalecido" quando passou a ter a certeza de poder contar com o "backing" do "Grande Irmão do Norte". Lyndon Johnson, tido como um politico oportunista e "liberal" (liberal no sentido norte-americano do termo, ou seja, progressista em assuntos de politica interna) só se mostrou confiável e seguro para a Linha Dura norte-americana ao apoiar o golpe contra Jango no Brasil.

Muito da agitação da época foi fabricado pela própria direita, com o intuito de "preparar psicologicamente" a classe media para aderir ao golpe. Esse era o caso, por exemplo, dos famosos "motins" de marinheiros, liderados pelo infame Cabo Anselmo, que, após o golpe, descobriu-se que era (surpresa!) um agente da CIA.

O empresário paulista Mario Wallace Simonsen (nenhum parentesco com o celerado Mario Henrique Simonsen), era dono de fazendas de café, da TV Excelsior de São Paulo, da TV Excelsior do Rio de Janeiro e da lendária companhia de aviacão Panair do Brasil. Esse empresário APOIOU O GOVERNO DE JANGO ATE O FINAL, SOFRENDO TERRIVEIS PERSEGUICÕES CONTRA SUAS EMPRESAS POR ISSO. Será que um grande empresário apoiaria um governo "comunista"?

Em verdade o objetivo da ditadura era varrer os políticos ligados ao getulismo (sendo o comunismo apenas o pretexto invocado para o golpe e para a ditadura). A ditadura cassou os direitos políticos e perseguiu o ex-Presidente Juscelino Kubitschek. Pergunta-se, JK era comunista?

O mentor intelectual dos golpistas de 1964, general Golbery do Couto e Silva, sempre foi transparente acerca do OBJETIVO PRINCIPAL do regime de 1964: "expurgar da cena política brasileira os políticos ligados ao populismo getulista."

E o que o Brasil ganhou com tudo isso? Qual foi o legado deixado por esse regime MALDITO implantado em 1964?

Politicamente, foi um grande retrocesso: não apenas os ditadores militares rasgaram uma Constituição democrática(de 1946) como tiraram do povo o direito de escolher o Presidente da República, os governadores e os prefeitos de inúmeras cidades. Extinguiram os partidos políticos mais autênticos e representativos que o Brasil teve ao longo de toda a sua História: o PTB, o PSD e a UDN, e criaram no lugar duas legendas completamente artificiais, a ARENA e o MDB. Somente essa decisão de extinguir os velhos partidos criados em 1945 eu considero profundamente criminosa, foi um desastre que fez muito mal à cultura política brasileira. Atrasou em muito nossa evolução política, e o resultado disso são essas meras siglas eleitorais de hoje, partidos desprovidos de ideais e conteúdo, que não representam praticamente nada exceto interesses mesquinhos. A ditadura é a mãe da atual zorra partidária. Lembrando que nossos vizinhos - Argentina, Uruguai e Paraguai - tem os mesmos partidos políticos desde o século XIX.

A destruição da democracia brasileira desgostou até o homem que desencadeou o golpe em 1964; um ano depois da tomada do Poder pelos militares, o general Olímpio Mourão Filho falava abertamente contra sua criação, dizendo: "o Brasil regrediu à ignomínia de 1937."

O legado econômico-social da ditadura de 64:

Economicamente internacionalizou nossa economia, quebrando diversas empresas privadas nacionais e levando as à fundirem-se ou serem compradas por multinacionais, aumentado assim a dominação da economia brasileira pelo capital estrangeiro. Revogou a Lei de Remessa de Lucros, aumentando a sangria de divisas do Brasil para o exterior. Uma frase de Juracy Magalhães, ministro das Relações Exteriores do governo Castelo Branco, resume bem o pensamento dominante entre os golpistas acerca de como o Brasil devia ser conduzido: "o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil."

A ditadura afundou o Brasil no endividamento externo e na dependência junto ao FMI. Foram tomados empréstimos gigantescos para financiar as famosas "obras faraônicas" (entre essas a desatrosa rodovia Transamazônica, que hoje é um gigantesco lamaçal no meio da selva). Em 1964 o Brasil devia cerca de 6 bilhões de dólares. 20 anos depois, em 1984, o Brasil devia 120 bilhões de dólares. A economia brasileira quebrou, e o resultado foi a famosa "década perdida", a década de 80, na qual a economia não cresceu e a inflação atingiu índices estratosféricos.

Socialmente a ditadura trouxe o arrocho salarial, o aumento da carga tributária e o sucateamento do ensino público à partir de 1972. Aumentou a concentração de terras nas mãos de latifundiários, provocando um grande êxodo rural que provocou um processo de favelização agudo em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Foi assim que a criminalidade cresceu assustadoramente no Rio de Janeiro e na capital paulista.

O lado nefasto da "obra social" do regime de 1964 acabaria sendo reconhecido por um dos conspíradores, o udenista histórico Afonso Arinos de Melo Franco. No fim da vida, ele assim definiria o fato de seu partido, a UDN, ter sido contra a ditadura de Vargas mas ter, paradoxalmente, apoiado a ditadura militar:
"Fomos contra a ditadura quando ela significou avanço social [ a ditadura Vargas ] e fomos à favor da ditadura quando ela significou retrocesso social [ a ditadura militar ]."
Os defensores da ditadura sempre poderão dizer que a ditadura fez o Brasil sair da posição de 40ª economia do mundo (em 1964) para a de 8ª (nos anos 70), mas isso não significa, nem de longe, que o Brasil ficou mais Soberano ou que se gerou bem estar social. Parafraseando um ministro da própria ditadura, o "bolo cresceu mas não foi distribuído." A riqueza se concentrou violentamente nas mãos de uma minoria. O crescimento econômico do período 1968 - 1973 beneficiou sobretudo as grandes multinacionais instaladas no Brasil. Houve um incrível aumento na geração de riqueza, mas em grande parte essa riqueza não ficou aqui para beneficiar os brasileiros. Ter uma economia grande não significa necessariamente bem-estar para o povo: países como a Argentina e o Uruguai, no nosso continente, e a Áustria, na Europa, tem economias muito menores que a brasileira e no entanto seus povos vivem melhor que os brasileiros.

Enfim, 1964 foi a tragédia maior de nossa História - longe de nos salvar de uma "ameáça comunista" que jamais existiu, foi, isto sim, a vitoria final de Joaquim Silverio dos Reis, o triunfo daqueles que, desde 1945, tramavam a destruicao do modelo nacionalista de desenvolvimento economico gerado por Getulio Vargas. Nao por acaso, os grandes nomes de 1964 foram Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Roberto Marinho, o brigadeiro Eduardo Gomes ( arquiinimigo de Getulio desde 1945, e que foi prontamente nomeado por Castelo Branco para o Ministerio da Aeronáutica ) o marechal Juarez Távora ( outro terrivel, sinistro antigetulista desde os anos 40, que tambem ganhou uma boquinha ministerial sob Castelo Branco )além do próprio Castelo Branco, Costa e Silva, Golbery e outros TODOS antigetulistas históricos, integrantes do famigerado "Grupo Sorbonne" da ESG ( Escola Superior de Guerra ), grupo de "intelectuais" militares direitistas, que inclusive fundaram a ESG em 1949 com toda a assistência de militares norte-americanos para que a ESG fosse uma versao tupiniquim do "War College" norte-americano. Não por acaso, o regime de 1964 foi, repito, feito contra o legado getulista.

Texto de Rodrigo Nunes.


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